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Grupo de Jovens salvos pela graça do Senhor, que por mais que se diferenciem entre si, unem-se em único propósito, servir a Deus em espírito e em verdade.

A ética evangélica sobre a moda


A ética evangélica sobre a moda

Pastor Ricardo Gondim
 Em qualquer cultura as roupas participam da elaboração cultural. A comida, a música, idioma e as relações sociais também são parte do modo pelo qual um povo se expressa. Assim, não há como desenvolver uma teologia sobre indumentária sem levar em conta as manifestações culturais. Se legislar sobre a quantidade de pimenta que se coloca na comida de um africano é absurdo, então não se pode também querer atribuir valores morais ao modo como os chineses ou africanos se vestem.
Uma das mais duras críticas direcionadas aos missionários jesuítas que evangelizaram a América Latina diz respeito à falta de diálogo intercultural. Os pregadores portugueses que aqui chegaram compreendiam-se como mensageiros não só do evangelho, ma também de uma cultura que consideravam perfeita. Partindo de seus preconceitos europeus e enxergando sua cultura como superior, detectavam pecado na nudez dos índios. Por conta disso, violentaram os costumes silvícolas, ordenando que todos se vestissem da maneira como achavam certo (ao estilo europeu). Acontece que a nudez dos índios não advinha do pecado, mas da sua própria elaboração cultural.
Certa vez, no Nordeste, vi um irmão pregando às três horas da tarde, numa temperatura de 40 graus, de paletó e gravata. Por quê? Há uma exigência divina para que os seus pastores se trajem assim? Não. Essa é uma exigência cultural. Nos primeiros anos de meu ministério, alguns pastores mais jovens gostavam de desafiar os limites. Vestiam-se de paletó mas sem gravata. O colarinho da camisa era dobrado por cima do paletó. Não apago da minha memória o dia em que eu e meu amigo evangelista fomos repreendidos de púlpito. O pastor presidente leu naquela noite um texto do livro de Provérbios sobre não removermos os marcos antigos que os pais haviam estabelecido. Por vinte e cinco minutos que mais pareciam uma eternidade, cabisbaixos, ouvimos a acusação de que alguns pastores queriam desenvolver seus ministérios levianamente. Tudo porque estávamos de paletó sem gravata. O pastor de saias que vimos nas Filipinas estava mal vestido para nossa cultura e nós o olhamos com espanto. Porém, minha resistência ao seu modo de se trajar não indica que ele estivesse com algum tipo de desvio moral. Indica apenas que minha visão da cultura é obtusa e que sou preconceituoso.
Já ouvi duras críticas ao uso de atabaques e tambores em cultos. Contudo, o órgão e o piano fazem parte das exigências do Espírito Santo para abençoar uma reunião? Como recebemos influência dos americanos e dos ingleses sobre a liturgia dos cultos, não conseguimos imaginar que na África não se cultue a Deus com pianos, mas sim com tambores. Escutei contundente rejeição a hinos cantados em ritmo de 22 samba. Por quê? O samba é um ritmo profano? Qual seria o ritmo divino e sagrado então? Os cânticos gregorianos, a valsa?
Muitos não sabem que a maioria dos hinos compostos por Charles Wesley e tantos evangelistas de seus dias continham melodias dos bares ingleses e em seus dias produziram grandes escândalos. Já presenciei debates sobre qual é a roupa mais adequada para a vestimenta do coral. As becas não representam apenas uma tradição européia que nada significa no clima e na cultura brasileira? Essas questões demonstram que ainda há pouquíssima compreensão nos meios evangélicos de como a fé e a cultura convivem.
René Padilla, escrevendo acerca desse tema, chegou à conclusão de que nenhuma cultura representa totalmente o propósito de Deus e, "por essa razão, o evangelho nunca se encarna totalmente em nenhuma cultura em particular. Ele vai além de qualquer cultura, ainda quando esta tenha sido influenciada por ele”. Essa tentativa de identificar o evangelho à cultura do evangelista muitas vezes diminui, também, a efetividade de comunicação da mensagem. Conforme assinalou Padilla, "desde que a palavra de Deus se fez homem, a única possibilidade quanto à comunicação do evangelho é aquela em que este se encarna na cultura para colocarse ao alcance do homem como ser cultural. Qualquer tentativa de comunicar o evangelho sem uma inserção prévia e profunda por parte do sujeito comunicante na cultura receptora é subcristã”.
A Bíblia está repleta de exemplos de evangelistas e missionários que, chegando a um contexto cultural diferente do seu, respeitaram a maneira de ser daquele povo e procuraram adaptar-se aos seus ouvintes. Pedro que, notoriamente, resistia a mudanças no judaísmo de sua infância, viu-se obrigado a reconhecer que a cultura judaica não se sobrepunha à dos gentios.
Hospedado em Jope, na casa de um certo Simão, ele teve uma visão que não só transformaria sua vida, como abriria caminho para que o cristianismo não se cristalizasse em mais uma seita judaica (At 10). Orando no eirado da casa, "ele viu o céu aberto e descendo um objeto como se fosse um grande lençol, o qual era baixado á terra pelas quatro pontas, contendo toda sorte de quadrúpedes, répteis da terra, e aves do céu". Pedro recebeu ordens para comer. Acontece que aqueles animais, segundo a lei, tradição e costume dos judeus, eram impuros e ele jamais conseguiria cumprir aquela ordem sem romper com suas bitolas culturais. Três vezes sucedeu a mesma visão com ordens específicas para que comesse e não considerasse impuro o que Deus purificara. Enquanto Pedro, perplexo, tentava entender o que lhe sucedia, chegou uma comitiva enviada pelo centurião Cornélio pedindo a Pedro que o visitasse e explicasse a mensagem do Evangelho.
O impacto daquela visão deu a Pedro condições de vencer suas próprias dificuldades de conviver em um ambiente gentílico. Forçosamente, ele necessitaria aprender a respeitar o modo de ser dos gentios e, ainda mais tarde, defendê-los, quando indagado pelos austeros fariseus convertidos sobre o que um judeu fazia no meio de pagãos mundanos. Graças àquela visão, o Evangelho pela primeira vez conseguiu sair da rígida moldura cultural judaica. Pedro pavimentou o caminho de Paulo. Breve o Evangelho não pertenceria mais aos judeus, seria de todas as nações da Terra.
Viajando pelo mundo antigo sem as viseiras restritivas dos judeus, Paulo difundiu o Evangelho como nenhum outro. Seguramente, seu grande sucesso deveu-se à sua habilidade de saber adaptar-se ao contexto cultural aonde chegava: 
Fiz-me fraco para com os fracos, com fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns. (1 Co 9:22)
Hudson Taylor foi missionário na China. Antes de lá chegar, ele dormia no chão, sobre esteiras, e aprendeu a comer como os orientais, de palitinho; educou-se acomer as mesmas comidas que os chineses. Logo que aportou na China notou que os missionários restringiam seus esforços no litoral e nas grandes cidades. Fechavam-se em vilas missionárias, de muros altos. Hudson Taylor viu que os missionários tinham uma atitude colonialista. Consideravam sua cultura superior e mais santa que a dos chineses. Sem hesitar, ele raspou a cabeça, mas deixou crescer um longo "rabo de cavalo", vestiu-se e calçou-se como um chinês e partiu para o interior da China. Os ingleses não eram (e nem são) superiores a ninguém. Não há cultura sagrada.
Apesar de moralmente as pessoas estarem degeneradas e carentes de restauração, todas as culturas possuem traços positivos e negativos. "É interessante notar que é aos filhos de Caim que se atribui a criação da música, das cidades, do bronze e do ferro (Gn 4:17-24)". Até mesmo o povo judeu desenvolveu aspectos positivos e negativos em sua cultura. As leis sanitárias, o cuidado com os anciãos, a mordomia da terra são aspectos bonitos da cultura judaica. Mas por diversas vezes Deus condenou os judeus por estarem propagando dimensões pecaminosas para outras nações. O culto mecânico é condenado no capítulo 1 de Isaías, o desprezo pelas viúvas e pelos pobres é condenado em Jeremias, e o egoísmo é condenado em Joel.

O grande desafio para os evangélicos é o de não condenar ou afastar-se da cultura por medo de ceder ao mundanismo. Agindo assim, rechaçamos e subestimamos a cultura e assim passamos a viver em guetos. Urge avaliarmos cuidadosamente a expressão cultural dos brasileiros, de forma que possamos celebrar a multiforme graça de Deus derramada sobre nosso povo. Em muito do que o brasileiro tem de bonito. Importa, igual e concomitantemente, denunciar e descartar o pecado infiltrado em toda nossa nação.
Ser evangélico não significa pertencer a uma cultura própria e separada. Cristo nunca intencionou isso. Tanto que na oração sacerdotal de João 17, ele pediu ao pai que não retirasse as pessoas do mundo, mas que as livrasse do mal. A intenção de Deus não é que formemos guetos culturais, mas que fôssemos sal e luz dentro de nossa própria realidade. A ética evangélica sobre a cultura deve discernir com precisão o que é produto do pecado e o que é fruto da graça comum de Deus.

Fonte: Trecho de "É Proibido – O que a Bíblia permite e a igreja proíbe", (Pastor Ricardo Gondim,Editora Mundo Cristão, São Paulo).

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